quarta-feira, 14 de abril de 2010

psicopedagogia: contexto, conceito e atuação



Os primeiros Centros Psicopedagógicos foram fundados na Europa, em 1946, por J. Boutonier e George Mauco, com direção médica e pedagógica. Estes centros uniam conhecimentos da área de Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, onde tentavam readaptar crianças com comportamentos socialmente inadequados na escola ou no lar, e atender indivíduos com dificuldades de aprendizagem.
Esperava-se através desta união Psicologia-Psicanálise-Pedagogia, conhecer a criança e o seu meio, para que fosse possível compreender a dificuldade de aprendizagem para determinar uma ação reeducadora e, diferenciar os que não aprendiam, apesar de serem inteligentes, daqueles que apresentavam alguma deficiência mental, física ou sensorial. No início a psicopedagogia teve uma trajetória de caráter médico-pedagógico. Hoje essas ações são independentes, mas complementares.
No final do século XIX educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras preocuparam-se com as variantes que interferiam na aprendizagem e começaram a organizar novos métodos para a educação infantil. Nesta época apontaram como grandes colaboradores Seguin, Esquirol, Montessori e Decroly, entre outros.
Nos Estados Unidos, o mesmo movimento se desenrolava, porém a ênfase dada era maior nos aspectos médicos, dando um caráter biológico à abordagem das dificuldades de aprendizagem.
Na Europa o movimento originou a Psicopedagogia. Na outra vertente, o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem tinham causas orgânicas e precisavam de atendimento especializado, o que influenciou parte do movimento da Psicologia Escolar. A corrente européia influenciou a Argentina, que passou a cuidar de suas pessoas portadoras de dificuldade de aprendizagem, há mais de 30 anos, realizando um trabalho de reeducação. Os conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Genética, além de todo o conhecimento de linguagem e de psicomotricidade, eram acionados para melhorar a compreensão das referidas dificuldades.
A psicopedagogia chegou ao Brasil em uma época, década de 70, cujas dificuldades de aprendizagem eram associadas a uma disfunção neurológica denominada de disfunção cerebral mínima (DCM) que virou moda neste período, servindo para camuflar problemas sociopedagógicos.
Sampaio(1) confirma que o Brasil recebeu influências tanto americanas, quanto européias, através da Argentina. Notadamente no sul do país, a entrada dos estudos de Quirós, Jacob Feldmann, Sara Paín, Alicia Fernández, Ana Maria Muñiz e Jorge Visca, enriqueceu o desenvolvimento desta área de conhecimento no Brasil.
Temos o professor argentino Jorge Visca como um dos maiores contribuintes da difusão psicopedagógica no Brasil. Foi o criador da Epistemologia Convergente, uma linha teórica que propõe um trabalho com a aprendizagem utilizando-se da integração de três linhas da Psicologia: Psicogenética de Piaget; Escola Psicanalítica (Freud); e a Escola de Psicologia Social de Enrique Pichon Rivière. Visca propõe o trabalho com a aprendizagem em que o principal objeto de estudo são os níveis de inteligência, com as teorizações da psicanálise sobre as manifestações emocionais que representam seu interesse.
A Psicopedagogia é um corpo de conhecimentos estruturada de diferentes maneiras. A seguir destacamos algumas.
De acordo com Alves e Bossa(2) a Psicopedagogia é um campo no qual floresceu o conceito de sujeito autor, é uma área de estudo interdisciplinar que olha para o sujeito como um todo no contexto no qual está inserido, que estuda os caminhos do sujeito que aprende e do apreende, adquire, elabora, saboreia e transforma em saber o conhecimento. A concepção de sujeito autor como aquele que constrói seu pensamento se faz presente através de um “corpo” que sente, existe, ama e proclama sua liberdade de ser, de estar e viver no eterno presente, no eterno agora.
Para Bossa(3) a Psicopedagogia é concebida com uma configuração clínica, ainda que sua prática se dê em um enfoque preventivo e, esse caráter clínico significa levar em conta a singularidade do processo a ser investigado, recorrendo tanto aos diagnósticos e intervenções que lhe são comuns no trabalho institucional e clínico. Para a autora, o termo distingue-se em três conotações: como uma prática, como um campo de investigação do ato de aprender e como uma saber científico. A Psicopedagogia é entendida como uma área de aplicação que antecede o status de área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, definir o seu objeto de estudo, delimitar o seu campo de atuação, e para isso recorrer à Psicologia, Psicanálise, Lingüística, Fonoaudiologia, Medicina, Pedagogia.
Segundo a autora, a Psicopedagogia deve se ocupar do estudo da aprendizagem humana e portanto, preocupar-se inicialmente com o processo de aprendizagem (como se aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por diversos fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las). Seu objeto de estudo é, portanto, um sujeito a ser estudado por outro sujeito. Esse estudo pode ser através de um trabalho clínico ou preventivo. O primeiro se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, investigador e objeto-sujeito interagem constantemente. No segundo, a instituição (espaço físico e psíquico da aprendizagem) é objeto de estudos uma vez que são avaliados os processos didático-meto-dológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem.
Ainda, segundo a autora3 (p. 30), na sua função preventiva, cabe ao profissional: detectar possíveis perturbações no processo de aprendizagem; participar da dinâmica das relações da comunidade educativa, a fim de favorecer processos de integração e troca; promover orientações metodológicas de acordo com as característica dos indivíduos e grupos; realizar processos de orientação educacional, vocacional e ocupacional, tanto na forma individual quanto em grupo.
Segundo Scoz (4), a Psicopedagogia é uma área que estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades e que, numa ação profissional deve englobar vários campos do conhecimento integrando-os e sintetizando-os. Para a autora, a grande questão das escolas é encontrar caminhos que possibilitem ao professor a revisão de sua própria prática descobrindo alternativas possíveis para melhorar sua ação. Isso só é possível se o profissional da educação tiver acesso às informações das várias ciências - Pedagogia, Psicologia, Sociologia, Psicolingüística, de forma a atingir um conhecimento profundo vinculado a realidade educacional que, possibilite uma visão global do aluno.
Para Neves apud Bossa (3) (p. 19) “a psicopedagogia estuda o ato de aprender e ensinar, levando sempre em conta as realidades interna e externa da aprendizagem, tomadas em conjunto. E, mais, procurando colocar em pé de igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais que lhe estão implícitos”. Para Weiss apud Bossa (3) (p. 20) ela “busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e educadores”.
Segundo Macedo apud Bossa (3) (p. 31) as atividades do psicopedagogo são: orientação de estudos (organizar a vida escolar da criança quando esta não sabe fazê-lo espontaneamente); apropriação dos conteúdos escolares (propiciar o domínio de disciplinas escolares em que a criança não vem tendo um bom aproveitamento); desenvolvimento do raciocínio (trabalhos realizado com o processo de pensamento necessário ao ato de aprender); atendimento de crianças (atender deficientes mentais, autistas ou com comprometimentos orgânicos mais graves).
Meny apud Bossa (3) (p. 31-32) destaca as seguintes especificidades do trabalho: o “distúrbio de aprendizagem” é encarado como uma manifestação de uma perturbação que envolve a totalidade da personalidade; o desenvolvimento infantil é considerado a partir de uma perspectiva dinâmica, e é dentro dessa evolução dinâmica que o sintoma “distúrbio de aprendizagem” é estudado; a neutralidade do papel de psicopedagogo é negada e este conhece a importância da relação transferencial entre o profissional e o sujeito da aprendizagem; objetivo do psicopedagogo é levar o sujeito a reintegrar-se à vida escolar normal, respeitando as suas possibilidades e interesses.
Finalizamos, entende-se que Psicopedagogia é um campo do conhecimento que se propõe a integrar, de modo coerente, conhecimentos e princípios de diferentes Ciências Humanas com a meta de adquirir uma ampla compreensão sobre os variados processos inerentes ao aprender humano. Enquanto área de conhecimento multidisciplinar, interessa a Psicopedagogia compreender como ocorrem os processos de aprendizagem e entender as possíveis dificuldades, situadas neste movimento. Para tal, faz uso da integração e síntese de vários campos do conhecimento, tais como Psicologia, Psicanálise, Filosofia, Psicologia Transpessoal, Pedagogia, Neurologia, e outros. Ao psicopedagogo cabe o papel fundamental de ser mediador nos processos de transmissão e apropriação dos conhecimentos.

REFERÊNCIAS1.SAMPAIO, Simaia. Um pouco da história da psicopedagogia. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/opiniao/opiniao.asp?entrID=422. Acessado em Nov. 2006.
2. ALVES, Maria Dolores Fortes; BOSSA, Nádia. Psicopedagogia: em busca do sujeito autor. Disponível em: http://www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=809. Acessado em Nov. 2006.
3. BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil: Contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
4. SCOZ, Beatriz J. L. (org.); BARONE, Leda M. C.; CAMPOS, Maria C. M; MENDES, Mônica H. Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profissional. Porto alegre: Artes Médica Sul, 1991.

Débora Bernardi Grandjean-Thomsen - Psicopedagoga
Fonte:http://www.intuslegere.net.br/Revista%206/p3-2010%206.htm

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